Archive for the ‘Publicações’ category

Conferência Ricos e Pobres no Alentejo e outras antropologias Embaixador José Cutileiro

6 de Junho de 2014

ricospobresalentejo

A obra que José Cutileiro intitulou “A Portuguese Rural Society” em 1971, e “Ricos e Pobres no Alentejo” na tradução portuguesa de 1977, permanece um marco tanto para a Antropologia como para as Ciências Sociais, e em geral para qualquer reflexão sobre a sociedade portuguesa contemporânea.

Fundada num conhecimento pessoal profundo do contexto humano do Alentejo e do país, sobre o qual o autor desenvolveu em meados de 60 o seu trabalho de campo e a pesquisa académica para doutoramento em Antropologia na Universidade de Oxford (1968), a obra ganhou ao longo deste tumultuoso meio século um estatuto singular entre obra científica, documento histórico e ensaio de filosofia moral.

Concebida numa época em que, sob a ditadura, as Ciências Sociais tentavam firmar-se no apertado âmbito consentido, a obra de José Cutileiro assinalou-se no conjunto da actividade científica que interrogava então a realidade social portuguesa numa atitude muito distanciada já dos anteriores horizontes ideológicos do nacionalismo e do populismo de matriz romântica, caros ao folclorismo e à propaganda do salazarismo.

Foi a época em que figuras como Silbert, Sedas Nunes, Teotónio Pereira, Orlando Ribeiro, Jorge Dias, Lindley Cintra ou Giacometti, sozinhos ou com as suas equipas, se lançavam ao estudo deste país quase exclusivamente rural e antigo, pobre e diverso, que exigia abordagens humanamente muito próximas, com grande rigor de registo e abertas ao cruzamento disciplinar.
A Antropologia, que não era sequer ensinada em Portugal, viveu então um período de grande produtividade, mas quase despercebida, em torno do projecto científico e museológico de Jorge Dias e da sua equipa.

Em Oxford um renovado interesse da Antropologia britânica pelas sociedades mediterrânicas depois do 2º pós guerra, sob o impulso de Evans-Pritchard e com Peristiany, Campbell e Pitt-Rivers, centrava as pesquisas nos valores morais e na estratificação social. Portugal era parte desse “mediterrâneo” rural, o Alentejo era nele a sua expressão perfeita, e José Cutileiro o antropólogo certo, na universidade certa, no momento certo.

O seu livro nasceu assim nesse paradoxal período da vida intelectual do nosso país, que vivia ao mesmo tempo isolado e obstruído, mas ocultamente brilhante e cosmopolita. Em 1974, o 25 de Abril criou por fim as condições académicas e cívicas para outros trabalhos, hoje já clássicos, como os de Joaquim Pais de Brito, Brian O’Neill, ou João de Pina-Cabral.

Entretanto, o livro de José Cutileiro, referência hoje ainda para todos os estudos sobre estratificação social e desigualdade, no Alentejo ou não, permaneceu num estatuto singular a vários títulos: Situado a Sul quando quase todas as pesquisas trabalharam terrenos a Norte; inscrito na crescente encruzilhada disciplinar em que o debate sobre a ruralidade consiste, parecendo, mas só por engano, ter caducado como assunto; confrontando crítica e premonitoriamente a Reforma Agrária e as suas sequências; interpelando as vias ambíguas e persistentes das desigualdades que nenhuma modernidade veio ainda desmentir, o livro de José Cutileiro guarda a perturbadora frescura da sua verdade testemunhal, e a actualidade da inquietação humana que lhe está na origem.

FONTE: local.pt

Saiu um novo número da revista Etnográfica

28 de Fevereiro de 2013

Etnográfica, vol. 17 (1) | Fevereiro de 2013 (capa)

Consultar índice aqui

A Etnográfica é uma revista  quadrimestral de antropologia social e cultural publicada pelo CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia. Publica artigos  originais em português, inglês, espanhol e francês. Abordando uma grande diversidade de contextos etnográficos, privilegia a qualidade da  pesquisa empírica, a diversidade de perspectivas analíticas e a inovação teórica. Os artigos são seleccionados pela comissão editorial com base  num sistema de arbitragem por pares em regime de anonimato. Está  indexada nas principais bases de dados de ciências sociais e está  presente nas classificações internacionais.

A revista pode ser consultada na íntegra em http://cria.org.pt/site/revista-etnografica.html

Aquisições e assinaturas da edição impressa:  etnografica@cria.org.pt

“De Monsaraz a Melbourne” lançado em Évora

28 de Maio de 2012

“De Monsaraz a Melbourne – reflexões antropológicas numa era global” é um livro que parte de Monsaraz e percorre os caminhos da sociedade globalizada enfatizando as raízes da nossa cultura e tópicos de investigação antropológica. A autoria é do Prof. Francisco Martins Ramos, antropólogo e professor emérito da Universidade de Évora, e o lançamento em Évora está marcado para o próximo dia 2 de junho, pelas 17h, no Condestável Café Bistro.

Fonte: Jornal Online da Universidade de Évora

Aldeia indígena brasileira em livro

2 de Fevereiro de 2010

Zélia Bonamigo ao lado dos índios Guaranis, em Paranaguá.

Conhecer a fundo como funciona a economia da tribo indígena Mbya-Guaranis, localizados numa aldeia no litoral paranaense, Brasil, é o que o leitor irá encontrar no livro A Economia dos Mbya-Guaranis: troca entre homens e entre deuses e homens na ilha da Cotinga, em Paranaguá-PR, da jornalista e antropóloga Zélia Maria Bonamigo.

O projeto inicialmente era uma dissertação de mestrado em Antropologia Social da Universidade Federal do Paraná que acabou em livro. O material foi editado pela Imprensa Oficial do Paraná, com apoio da Secretaria de Estado da Cultura (SEEC) e é inédito acerca dessa tribo. O livro foi lançado no dia 19 de Dezembro de 2009, na aldeia dos Mbya-Guaranis.

De acordo com a autora, o trabalho para levantar os dados levou dois anos e meio para ficar pronto. “Iniciamos o contato com a tribo dos Mbya-Guaranis em 2003. Contámos com a colaboração destas pessoas em todos os momentos e isso foi fundamental para que esse projecto se tornasse um livro. Aliás, desde o início dos contactos, a tribo pediu para que fosse feito um livro para que pudesse mostrar às pessoas como funciona a economia deles”, conta.

Zélia conta também algumas particularidades da tribo. “Eles utilizam bastante o sistema de trocas como economia. Entretanto, não é tão simplista quanto parece. Quando se dá algo em troca, como, por exemplo, um artesanato, além do produto em si você dá algo mais, isto é, você cria uma relação social, que, para eles, é muito mais importante do que qualquer produto”, explica.

O livro também aborda outros pontos da cultura dos Mbya-Guaranis, conforme diz a autora. “O livro é composto de oito capítulos e utilizei como referência a teoria maussiana, de Marcel Mauss (1872-1950), que aborda as trocas em sociedades arcaicas. Mas não fica preso somente a isso. Por exemplo, falo sobre o papel de seus oito deuses na sua economia, o facto deles estarem em constante movimento, como eles lidam com isso, entre outros pontos”, conta.

Para a jornalista e antropóloga, o trabalho significou mudança de alguns conceitos. “Para entender uma sociedade, é necessário que haja uma imersão nessa cultura. Foi isso que eu fiz enquanto realizava a minha pesquisa. A partir da visão deles, passei a prestar mais atenção no ponto de vista das pessoas, coisa que não acontece muito na nossa sociedade, com características etnocêntricas. Foi um trabalho árduo, mas valeu a pena. O resultado estava dentro do que esperava”, afirma.

POR: Flávio Laginski (Paraná Online)

Gilberto Freyre fala de moda

7 de Janeiro de 2010

Por: Julio Honaiser

Duas mulheres de tempos distintos e duas percepções de moda que falam muito mais do que aparentam. De um lado, a “mulher ornamental” do Brasil colonial: subordinada ao patriarcado que a tratava como uma espécie de corpo aberto à ornamentação. Do outro lado, a mulher burguesa pós-Revolução Industrial, cujo tamanho das joias era proporcional à força econômica e influência de seu marido. Dois exemplos que o sociólogo Gilberto Freyre cita para discorrer sobre a moda como indicador de aspectos  socioculturais de seu tempo.

É por esse viés dos costumes e hábitos do cotidiano que o autor de Casa grande e senzala se aventura, ao decidir escrever sobre um tema que não se esperava encontrar no repertório de um intelectual do século passado. Mas Gilberto Freyre é uma exceção à regra. Dedicou uma obra inteira ao tema. Modos de homem & modas de mulher, que teve lançamento póstumo em 1987, chega de novo às lojas, relançado pela Global em uma edição caprichada.

Freyre foi um desses intelectuais que ajudaram a explicar o Brasil. E para a felicidade dos leitores escolheu o caminho da prosa simples, do ritmo de conversa e das anedotas do dia-a-dia para tratar dos hábitos e da forma sui generis de viver do brasileiro. Depois de falar dos hábitos de moradia (Casa grande & senzala Sobrados & mucambos) e de realizar uma verdadeira sociologia do doce (Açúcar), o antropólogo resolveu falar de moda. E acabou fazendo isso com curiosa propriedade, justamente porque não se deteve a noções de “certo e errado” comuns nessa área, dando preferência à abordagem do assunto como fenômeno sociológico. A moda é tratada como aquela que “estiliza as mudanças sociais” e esse é o trunfo de Modos de homem & modas de mulher. A moda que fala dos modos – da moral, do decoro, da religião e até do linguajar.

A obra vai dos tempos de colônia até a década de 1980. Para isso, o autor usa ensaios e comentários interligados para falar de temas ainda atuais: o envelhecimento da mulher, o traje feminino como sinônimo da prosperidade familiar, a relação da moda com ecologia (dá pra ser mais atual?), as vítimas dos modismos, a consciência brasileira da própria tropicalidade e o consequente “abrasileiramento” da moda vinda de fora, entre outros tópicos. Por exemplo: o triunfo do algodão como tecido nacional, fresco e compatível ao clima; a disposição da brasileira às cores, que contrastam com a “morenice” de suas peles (Sônia Braga parece ser a musa de Freyre e o arquétipo da feminilidade nacional).

O dom quase premonitório (o livro foi escrito muito antes de se cogitar uma semana de moda brasileira) de Gilberto Freyre fica evidente no momento em que trata do Brasil como espécie de “guru fashion” dos países ibero-tropicais, com potencial ascendente para não somente degustar as influências de fora, mas também pensar a própria moda, a própria imagem. E também quando elabora uma nova concepção de feminilidade – que chega com a mudança estética e ética da mulher – atrelada a uma certa masculinização dos hábitos e costumes e à adaptação delas a papéis outrora exclusivamente masculinos.

Por essas e (muitas) outras que em tempos de maratona de desfiles  – Fashion Rio São Paulo Fashion Week se aproximam – a leitura sem afetação dos códigos de vestimenta que Freyre  faz pode se mostrar uma interessante ferramenta de análise do fértil período que vive a moda brasileira, com uma profusão de grifes e marcas. Freyre foi um gênio porque conseguia escrever sobre os assuntos mais curiosos.  Pena não ter conseguido assistir de camarote à solidificação da moda nacional que previu. De qualquer forma, ponto pra ele.

Fonte: Blog de O Livreiro