A antropóloga forense Eugénia Cunha
Idade, estatura, causa e forma de morte? Eis algumas das perguntas a que a antropologia forense tenta dar resposta. Respostas sempre com um intervalo de aproximação, alerta Eugénia Cunha, consultora do Instituto Nacional de Medicina Legal.
“Faz-lhe confusão o cheiro?” É a pergunta de Eugénia Cunha, antropóloga forense. E justifica: “É que esti- ve a macerar os ossos!” Assim, de chofre, mal se entra na sua sala de trabalho na delegação sul do Instituto de Medicina Legal. O cheiro é desagradável, mas tem de se suportar. Os ossos que esteve a macerar são de um homem que foi encontrado no Algarve e que terá morrido de forma violenta. Homicídio!
Macerar ossos significa cozê-los ligeiramente em água, para que se possa retirar os tecidos moles que os envolvem. Só depois é que são observados, analisados, parte por parte, osso por osso, e radiografados, para se poder estimar a idade, a estatura (através do fémur), a origem geográfica (afinidades populacionais) e, eventualmente, o modo e a causa de morte. Em resumo, dar uma identificação ao corpo, muitas vezes encontrado anos depois da morte e em avançado estado de decomposição.
“Mas não pense que podemos dizer que o corpo pertence a um indivíduo com 57 anos, 1,76 m e que nasceu em Portugal. Podemos chegar a intervalos de aproximação, o que, também, depende da idade do indivíduo e do tipo de vida que levou. Não pense que é como nas séries televisivas. Não é assim”, adverte Eugénia Cunha. Isto porque é inevitável a comparação com Bones Temperances, a famosa antropóloga forense da série Ossos, que consegue sempre identificar ao pormenor as vítimas que estuda.
É impossível dar uma informação assim tão precisa e estamos em Portugal, onde os antropólogos ainda não vão ao local do crime e não têm uma base de dados da PJ tão sofisticada, nem nada que se pareça.
O corpo em causa será o de um homem que desapareceu há seis meses. Há uma ficha de desaparecidos da PJ em consta o nome de um indivíduo com características semelhantes ao corpo encontrado.
Mas a antropóloga forense prefere desconhecer os dados biográficos dos corpos que analisa. Para testar ao limite as capacidades da ciência na descoberta de informação que ajude a deslindar uma morte.
No caso em concreto, o corpo está bem tratado, estima-se que seja de um indivíduo rico e preocupado em manter-se bem fisicamente.
Esse dado vai tornar mais difícil apurar com rigor a sua idade. E o que o perito poderá dizer é que a pessoa terá entre 55 e 65 anos, por exemplo, a estatura aproximada e que será europeu.
A identificação dos corpos é uma das área de intervenção de Eugénia Cunha, consultora de antropologia forense do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) desde 1997 e responsável pelos casos de antropologia forense da delegação Sul desde 2004.
É chamada sempre que é encontrado um corpo e se suspeita que tenha havido crime. E muitas das situações são de sem-abrigo, o que significa que este não é procurado por familiares, tornando quase impossível a sua identificação.
Mas os antropólogos forenses não estudam apenas os mortos. São cada vez mais chamados a intervir para investigar as características de indivíduos vivos mas que não possuem documentos.
Nestes casos, a estimativa da idade implica a aplicação de métodos que se baseiam em várias alterações dentárias e ósseas.
Os cálculos tornam-se mais fiáveis para as crianças e jovens, cujo crescimento é acompanhado por uma evolução clara em termos dentários.
“Quanto mais velho é um indivíduo, mais falíveis são os métodos usados na determinação da idade, remetendo para um intervalo tanto mais amplo quanto mais idoso for o indivíduo em causa”, sublinha Eugénia Cunha.
Enquanto a pessoa envelhece, não só as capacidades físicas vão diminuindo como os ossos se deterioram e a estrutura óssea se altera. Não são precisas rugas, para que um antropólogo possa chegar a conclusões sobre a idade.
E, sabendo-se que as socieda-des, sobretudo as europeias, estão cada vez mais envelhecidas, o desafio que se coloca à disciplina, sublinha Eugénia e Cunha, é o desenvolvimento de métodos que permitam distinguir indivíduos com 70, 80 e 90 anos.
Autoria: Céu Neves (Diário de Notícias)